Foi nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial, em 1916, que John Ronald Reuel Tolkien descobriu o que era sofrimento. O militar inglês foi tirado do meio dos livros e jogado no meio dos tiros. Assim como muitos outros jovens intelectuais da época, ele vivenciou os horrores da guerra e cultivou grandes traumas para o longo de sua vida. 

O jovem pertencente ao Primeiro Batalhão dos “Lancashire Fusiliers” sobreviveu, diferente de seus melhores amigos. Com o passar dos anos, ele veio a se tornar um dos mais conhecidos escritores e linguistas do mundo. J.R.R Tolkien é o autor da obra célebre “O Senhor dos Anéis”, best-seller publicado em 1954 que já vendeu mais de 150 milhões de cópias. Mas o que Tolkien tem a ver com a tal resiliência?

Tolkien vivenciou uma das maiores carnificinas da história, viu a morte de perto e perdeu amigos. Após anos de casado, Tolkien teve de lidar com a morte de sua esposa e musa Edith Bratt. Mesmo com tudo isso, ainda conseguiu escrever uma das maiores histórias de superação onde o bem sempre vence o mal. 

A capacidade de se adaptar às adversidades e voltar ao estado considerado “comum”, mesmo depois de experiências difíceis, faz de Tolkien um exemplo de resiliência.

O que é resiliência?

Resiliência se tornou uma das palavras mais usadas nos últimos tempos. É só entrar nas redes sociais e conferir a quantidade de fotos com legendas utilizando o termo. Apesar de já estar enraizada na cultura atual, muita gente pode confundir o significado de resiliência ou não saber da sua origem e profundidade.

O significado de resiliência, no latim, é “resiliens”, ou seja “ricochetear, pular de volta”, “voltar ao estado normal”. Esse termo foi utilizado pela primeira vez na Física, em que descreve a capacidade de alguns materiais de voltarem ao seu estado normal, mesmo depois de receberem uma energia de deformação, mas eles não a sofrem permanentemente. É o que acontece com uma esponja, quando apertada.

O psiquiatra, neuropsiquiatra, psicanalista, pesquisador e etnólogo francês, Boris Cyrulnik, se referiu à resiliência como  “a arte de navegar nas enxurradas”, em sua obra “Os Patinhos Feios.” Em entrevista para o El País, ele comentou a definição de resiliência: “A metáfora é: somos empurrados a uma enxurrada por uma desgraça da vida; alguns se deixam arrastar e atingir, outros se debatem e, com um pouco de sorte, colocam-se novamente a salvo. Quando começamos com nossos trabalhos sobre a resiliência em Toulon chegamos a uma definição que é: “Retomar um novo desenvolvimento após uma agonia psíquica e traumática”.”

A definição básica e simplista de resiliência como o ato de vencer as adversidades, ter motivação, inteligência, focar na superação e ganhar desenvolvimento pessoal não está errada, mas podemos nos aprofundar mais na questão “resiliência e psicologia”.

Resiliência: Linhas de pensamento 

Um dos questionamentos acerca da resiliência está no termo “superação“. A pessoa resiliente ganha desenvolvimento  APESAR das dificuldades ou ATRAVÉS delas?

Pesquisadores da Universidade do Vale do Itajaí se dedicaram a diferenciar os dois caminhos. Eles explicam que no viés “apesar da adversidade”, o indivíduo se esforça para manter suas características anteriores ao conflito, ou ainda, retornar ao estado de equilíbrio. “Essa capacidade seria fruto tanto de características pessoais dos indivíduos quanto do estabelecimento de vínculos afetivos e de confiança destes com o meio. Assim, estes indivíduos conseguem extrair algum aprendizado diante do problema, conseguindo desenvolver comportamentos adaptados ao que é esperado pela sociedade.”

Diferentemente do que acontece na situação anterior, no viés “através da adversidade”  a resiliência “atua de tal forma que o sujeito é caracterizado por um conjunto de qualidades ora resultantes do processo resiliente, ora propiciadores do mesmo (é através das minhas habilidades e competências que me torno resiliente ou é através do processo resiliente que as desenvolvo?). Aqui a situação de risco é vista como oportunidade de superar os próprios limites, construindo uma identidade fortalecida (superação). Logo, a resiliência enquanto modo de superação de situações conflitantes traz consigo a possibilidade da experiência traumática ser elaborada simbolicamente, para que, futuramente, sirva como subsídio para novas situações estressantes.”

Resiliência é sinônimo de otimismo?

Muita gente confunde resiliência com ser otimista. Mas elas não são a mesma coisa. Maurice Vanderpol, ex-presidente do Boston Psychoanalytic Society and Institute, ao observar sobreviventes dos campos de concentração do holocausto, descobriu que muitos deles eram saudáveis pois desenvolveram o que chamou de “escudo plástico”. Esse escudo foi construído por muitos elementos, dentre eles, o senso de humor. O senso de humor, além de outras funções, desperta um ponto de vista crítico.

Entre outros fatores fundamentais que auxiliaram os sobreviventes, “incluem-se a capacidade de se relacionar com os outros e o domínio de um espaço psicológico interno, o que os protegia da invasão dos abusadores.”, define a Harvard Business Review.

O almirante Jim Stockdale, prisioneiro e torturado pelos vietcongues por oito anos, quando questionado sobre quem não conseguiu sobreviver aos campos, ele respondeu: “Oh, essa é fácil. Foram os otimistas. Foram aqueles que disseram que sairíamos até o Natal. E depois que sairíamos até a Páscoa, até o dia da Independência, até o dia de Ação de Graças, e então outra vez até o Natal. Sabe, acho que todos morreram de coração partido”.

Um dos pontos sobre a resiliência é que ela não é sinônimo de otimismo. As pessoas resilientes têm os pés no chão e avaliam as situações de forma real. Elas encaram o presente e trabalham para conseguirem se desenvolver da melhor forma possível, seja “apesar” ou “através” das adversidades.

Está escrito nos nossos genes

“O que não mata, fortalece”. Essa é uma das frases mais usadas em músicas, legendas de fotos nas redes sociais e em livros de autoajuda. Mas o quem muita gente não sabe é que foi Friedrich Nietzsche, filósofo que influenciou até Sigmund Freud, o pai da psicanálise, quem teve o pensamento. A frase do filósofo niilista aparece em sua obra “Crepúsculo dos Ídolos”, publicada em 1889, onde ele critica figuras populares da cultura europeia.

A verdade é que o pensamento acompanha as premissas da resiliência, em que o caminho tortuoso pode ser uma oportunidade para se fortalecer. Essa capacidade de ser resiliente, dizem os cientistas, está no nosso gene. Existem pessoas que nascem resilientes.

Os pesquisadores britânicos, doutores Michael Pluess e Aneta Tunariu, afirmam que cada um de nós tem a capacidade para ser resiliente. Isso depende das fontes emocionais e pessoas que adquirimos ao longo da vida. “Muitas pesquisas sugerem que existem um componente genético para ser resiliente ou não resiliente. É possível medir isso através da coleta de pequenas quantidades de saliva.” Pluess explica.

Como se tornar resiliente?

Segundo  Pluess e Tunariu, é possível se tornar resiliente mesmo sem a predisposição genética. O New York Times reuniu alguns elementos para tornar alguém mais resiliente.

Cultive o otimismo: Embora essa característica seja oriunda da genética, pode-se aprender a ser otimista. Como já dissemos anteriormente, resiliência e otimismo não são a mesma coisa, mas é preciso ter um pouquinho de otimismo para ser resiliente. Isso não significa ignorar a realidade e viver num mundo de contos de fadas, e sim, cultivar boas energias e positividade para superar as dificuldades e pensar num plano B.

Reescreva a sua própria história:  Dr. Charney, pesquisador, decano na Icahn School of Medicine at Mount Sinai in New York City e co-autor do livro “Resilience: The Science of Mastering Life’s Greatest Challenges”, estava saindo de um estabelecimento nas ruas novaiorquinas, quando levou um tiro. Depois do tiro, ele sabia que sua vida mudaria completamente, mas ao invés de se deixar abater pela situação, decidiu que seria um exemplo a ser seguido. ” Uma vez que você se torna uma vítima do trauma, isso permanece com você. Mas eu sabia que poderia ser um exemplo. Eu tenho milhares de alunos vendo a minha recuperação e isso me dá a chance de usar tudo o que aprendi com isso”. A vida se constrói da maneira que você reage às situações, e Dr. Charney decidiu escrever a sua história ao invés de deixar que o trauma o fizesse.

Além disso, lidar com o estresse e entendê-lo como inerente a existência humana, estimula o crescimento pessoal. Situações estressantes aparecem, mas você não precisar ser o estresse. Tire uma folga, caminhe no parque, respire fundo…e cultive o estresse como uma parte inevitável da vida.

Apoiar os outros também ajuda a criar resiliência. Num estudo de resiliência e psicologia envolvendo veteranos de guerra estadunidense, observou-se que níveis altos de gratidão, altruísmo e senso claro de propósito, faziam crescer a resiliência dessas pessoas.

Existem mais outras maneiras de ser mais resiliente, e tentar enraizá-las na vida pode ser um grande feito para o desenvolvimento da inteligência emocional e na maneira de enxergar a própria existência. 

Mesmo tendo sido vítima da catástrofe, Tolkien foi quem cunhou a expressão “eucatástrofe”, que significa “uma súbita mudança de eventos no final de uma história que garante que o protagonista não é a vítima de um terrível e iminente e provável destino.” Foi desse modo, enxergando esperança nas adversidades, que Tolkien reescreveu sua própria história. Ele não esqueceu os traumas ou deixou que os fantasmas tomassem conta de si, mas encontrou utilidade e propósito para eles, direcionando-os não à catástrofe, mas sim, à sua eucatástrofe pessoal.

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