A briga contra a balança é frequente na vida de muitas pessoas, isso porque os padrões impostos pela sociedade atual são rígidos e excluem quem não os alcança. A questão da estética sempre mexeu com quem tem quilos a mais e  faz com que desejem realizar a cirurgia bariátrica, ou cirurgia de redução de estômago, como é popularmente conhecida.

Porém, é preciso ter em mente que a saúde vem em primeiro lugar, e isso não diz respeito somente à saúde física, mas à mental também, pois o impacto psicológico da cirurgia bariátrica, seja no pré ou pós-operatório, deixa os paciente extremamente fragilizados.

Obesidade: o que é?

Segundo o Ministério da Saúde, a “obesidade é uma doença crônica caracterizada pelo excesso de gordura corporal, que causa prejuízos à saúde do indivíduo. A obesidade coincide com um aumento de peso, mas nem todo aumento de peso está relacionado à obesidade, a exemplo de muitos atletas, que são “pesados” devido à massa muscular e não adiposa.”

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a obesidade como um dos maiores problemas de saúde pública no mundo. Estima-se que em 2025, cerca de 2,3 bilhões de adultos estejam com sobrepeso e mais de 700 milhões, obesos. O número de crianças com sobrepeso e obesidade no mundo assusta pois ele tende a crescer e chegar nos 75 milhões, caso nenhuma medida seja tomada.

A obesidade e a saúde estão intimamente ligadas. O estilo de vida que atualmente levamos não colabora com a alimentação saudável. “É inegável que há um acesso cada vez maior (e mais rápido) à comida, seja ela calórica ou não. E aqui mora o desafio: como buscar equilíbrio em um mundo cheio de apelos e comodidades sem tentar regressar ao tempo das caverna e virar refém de métodos de emagrecimento rápido pré-formatados?”, questiona o cientista, professor e especialista em emagrecimento, Antonio Herbert Lancha Jr.

O que é cirurgia bariatrica?

Segundo a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), “a cirurgia bariátrica é indicada no tratamento da obesidade mórbida, principalmente quando existem doenças já instaladas no organismo. A busca pelo procedimento tem crescido de modo expressivo nos últimos anos, visto que os resultados são significativamente melhores do que outras terapêuticas conservadoras.”

A obesidade mórbida é o acúmulo excessivo de gordura no corpo, caracterizada pelo IMC maior ou igual a 40 kg/m². Segundo o Hospital Sírio Libanês, o IMC considerado normal se encaixa nos valores entre 18-24kg/m². Esse tipo de obesidade é classificado como grau 3, considerado o nível mais grave por colocar a saúde da pessoa em risco grave.

Quem pode fazer bariátrica?

O  IMC para a cirurgia bariátrica é indicada para “indivíduos que apresentem IMC≥50 Kg/m2, IMC≥40 Kg/m², com ou sem comorbidades, sem sucesso no tratamento clínico longitudinal realizado, na Atenção Básica e/ou na Atenção Ambulatorial Especializada, por no mínimo dois anos e que tenham seguido protocolos clínicos e indivíduos com IMC>35 kg/m2 e com comorbidades, tais como pessoas com alto risco cardiovascular, diabetes mellitus e/ou hipertensão arterial sistêmica de difícil controle, apneia do sono, doenças articulares degenerativas, sem sucesso no tratamento clínico longitudinal realizado por no mínimo dois anos e que tenham seguido protocolos clínicos”, explica o Ministério da Saúde.

A obesidade e o sobrepeso são perigosas na vida de um indivíduo, pois elevam a incidência de diabetes, AVC, infarto, adenocarcinoma de esôfago, câncer colorretal e câncer endométrico. Assim, a cirurgia bariátrica se faz necessária nesses casos em que a saúde do paciente é colocada em risco.

Obesidade e psicologia

A prevalência global da obesidade e sobrepeso vem crescendo no mundo todo, tanto em países em desenvolvimento quanto em desenvolvidos. No Brasil, a obesidade aumentou 60% num período de 10 anos, dado preocupante devido às consequências que a obesidade tem na saúde física e psicológica dos indivíduos. Segundo especialistas entrevistados pela BBC, “o aumento de peso dos brasileiros a fatores econômicos e culturais, mas também genéticos e hormonais”.

Entrevistamos Cristiane Evangelista Machado, mestre e psicóloga hospitalar pela Faculdade de Medicina da USP e profissional cadastrada na Telavita. Segundo ela, “Antes, as indicações para a cirurgia bariátrica eram mais limitadas. Hoje, outras comorbidades são levadas em consideração, como problemas osteo musculares e depressão. Ou seja, o aumento no número de cirurgias bariátricas realizadas se deve à lista de indicações que ficou mais ampla”.

A inserção da depressão na lista de indicações para a bariátrica aconteceu em 2016 pelo  CFM (Conselho Federal de Medicina), na resolução n° 2.131/15, que “altera o anexo da Resolução n° 1.942/10 e acrescenta outras doenças associadas à obesidade como depressão, acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca congestiva, infertilidade masculina e feminina, entre outras. Além das comorbidades, a Resolução também apresenta alterações na idade mínima para a realização da operação. Antes pacientes entre 16 e 18 anos podiam fazer a cirurgia, desde que a relação custo/Benefício fosse analisada.

Agora, foi acrescido ao texto a presença de um pediatra na equipe multidisciplinar. Em menores de 16 anos a cirurgia será permitida somente em caráter experimental e dentro dos protocolos do sistema CEP/Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa)”, explica a  Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM).

Para o psiquiatra e psicanalista Ronis Magdaleno Junior “o obeso é, muitas vezes, discriminado e sofre com a inadequação social por conta de um apelo estético muito forte na sociedade contemporânea. Por isso, a crescente procura por tratamentos que minimizem ou eliminem esta condição”.

Aspectos psicológicos da obesidade

Ainda que o número de obesos tenha aumentado expressivamente, os padrões sociais ainda se mantêm os mesmos. O que isso quer dizer sob a ótica psicológica? Quer dizer que mais pessoas sofrem com a cobrança social de serem magros. “Muito do comportamento do obeso é emocional, ou seja, baseado na compulsão. A pessoa que já tem predisposição depressiva por questões genéticas ou do próprio histórico de vida, encontra na ingestão alimentar uma compensação desse sofrimento emocional. E aí essa compulsão alimentar gera o aumento de peso. O comportamento alimentar vem como compensação ao sofrimento emocional e causa todo o tipo de transtorno psicológico, como estresse, ansiedade e depressão”, explica Cristiane.

Todos nós já presenciamos alguma cobrança, humilhação e piadinha maldosa com alguém obeso. Imagine viver sob esse espectro? O bullying na escola, a discriminação no trabalho e constantes afirmações de que “você só não emagrece porque não quer”. Situações do tipo são corriqueiras na vida de alguém acima do peso e causa mais feridas emocionais do que se pode contar.

“Não podemos dizer que a obesidade não gera sofrimento psicológico porque a pessoa fica limitada fisicamente e socialmente. Existe, sim, exclusão e preconceito. Embora exista conscientização e políticas de inclusão, ainda temos muito preconceito, mas normalmente o paciente que vem ao consultório não admite que vem por questões emocionais. Eles chegam falando de frustrações por não conseguirem emagrecer de outra forma, o que faz com que se sintam fracassados por terem de fazer a cirurgia, tudo porque não conseguiram emagrecer por conta. Eles dizem se sentir impotentes. Sempre existe a queixa de autoestima, não só da imagem, mas da sensação do fracasso e limitação”, aponta Cristiane.

“Emagrecer vai me fazer feliz”

Num estudo realizado com mulheres submetidas à cirurgia realizado pelo psicanalista Ronis, essas questões psicológicas complexas criam novos conflitos para as mulheres que participaram do estudo e realizaram a cirurgia. Após o emagrecimento proporcionado pela bariátrica, a maioria delas apresentavam expectativas irreais e colocavam no emagrecimento a solução para todos os seus problemas.

Cristiane Machado explica que “a obesidade é um bode expiatório para os pacientes. É o problema direto que eles lidam todos os dias. Eles possuem muitos obstáculos por estarem obesos e parece que todos os problemas da vida são por conta da obesidade. Pessoas magras não são traídas, não têm problema de dinheiro, não sofrem? Eu entendo o paciente que tem essa expectativa, mas o que fazemos no pré-bariátrica é desconstruir essa imagem de que todos os problemas desaparecerão porque o paciente emagreceu”.

Transtorno de compulsão alimentar (TCA)

“O comer compulsivo é um padrão recorrente, ou seja, acontece com frequência e está associado à perda de controle. Quando pensamos em compulsão alimentar ou comer compulsivo, estamos nos referindo à pessoa que come grande quantidade de alimentos rapidamente, perde o controle e não consegue interromper a refeição mesmo quando se sente estufada ou plenamente saciada. Para caracterizar esse comer como doença é preciso que ocorra pelo menos duas vezes por semana”, define o médico Alexandre Azevedo em entrevista para o portal do dr. Dráuzio Varella.

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Ou seja, o TCA difere de uma vontade de comer algo em específico ou perda de controle isolada. O transtorno é marcado por episódios recorrentes e intensos de descontrole associados à questões emocionais e sempre seguidos do sentimento de culpa. Diferentemente da bulimia ou outros transtornos, na compulsão alimentar não há purgação. “A alimentação compulsiva não é seguida por tentativas de compensar o excesso de alimentos ingerido – por exemplo, livrando o corpo do excesso de alimento consumido (purgação)”, explica o Manual MSD.

A vontade de comer chega e o descontrole toma conta. Mas o que resta depois dos episódios compulsórios é culpa. A maioria das pessoas que sofrem do transtorno sabem que extrapolaram e sentem peso na consciência. Isso acontece ainda mais com quem passar por dietas restritivas e perdem o controle profundamente pelo desespero de ficar sem comer. Muitas pessoas que sofrem de doenças psicológicas como depressão e ansiedade, ou que estão passando por momentos difíceis na vida, encontram na comida a válvula de escape para todas as angústias emocionais. A fome emocional vem pra suprir a falta, seja ela de emoções positivas, de afeto ou de vontades. Quem sofre de doenças psicológicas como depressão ou ansiedade, tem uma grande propensão ao comer compulsivo.

Após a cirurgia bariátrica, esse comer compulsivo é um dos maiores vilões do reganho do peso antes da cirurgia. “Tratar a TCA ajuda a diminuir essa ingestão por impulso. A cirurgia atua na fome e na saciedade, ou seja, o paciente não sente fome depois da cirurgia, mas pode continuar a comer se tiver vontade, pois o desejo é o que impulsiona o comportamento compulsório”, explica a psicóloga.

Outro fator psicológico de risco para o reganho de peso é um comportamento chamado transferência de adicção, onde o vício pela comida é substituído por outra substância. Essa é uma das estratégias perigosas que podem levar pacientes do pós-operatório ao aumento do uso de substâncias psicoativas, em especial o álcool. “O paciente coloca muita motivação e energia na bariatrica. Se ele para de emagrecer, ele não tem mais força e energia para manter o peso, então ele se frustra e passa a engordar”, conta Cristiane.

Avaliação psicológica para cirurgia bariátrica

Para poder realizar a cirurgia bariátrica é preciso que uma avaliação psicológica seja feita. Somente através do laudo psicológico para cirurgia bariátrica dessa avaliação é que o paciente pode fazer a bariátrica. Mas como essa avaliação funciona? “A avaliação psicológica é realizada para saber se o paciente tem condições psicológicas de arcar com os riscos da cirurgia. Se o paciente não tiver condições cognitivas e emocionais para passar pelas restrições ou não tiver um quadro estável, a cirurgia não é realizada”, explica Cristiane.

O paciente bariátrico é colocado sob uma cirurgia de risco, sim, mas o que também é avaliado é o pós-bariátrica, já que a dieta extremamente restritiva e os incômodos físicos do procedimento podem causar muito estresse. “Um paciente que faz cirurgia bariátrica leva algum tempo para se recuperar. Coisas simples, como tomar um copo d’água, para eles, é uma tarefa extremamente complicada pois a capacidade gástrica fica comprometida. Ele sente dor e incômodo. A própria dieta é difícil. Imagine uma pessoa que ingeria meio quilo por dia e passa a comer somente 150 gramas. A alimentação pós-bariátrica muda completamente. Às vezes o paciente não tem noção da seriedade da cirurgia e o quão protocolar a dieta é. Ela envolve capacidade de disciplina e compreensão do risco que existe se o paciente não seguir as recomendações à risca”, conta Cristiane.

A recuperação da cirurgia bariátrica é um processo muito difícil, por isso é essencial que o paciente esteja apto para passar por esse procedimento sem que novos transtornos ou problemas físicos surjam. Esse paciente precisa ter grande capacidade para mudar hábitos e estabelecer novos limites, comprometimento, percepção corporal, engajamento para se manter saudável e, principalmente, motivação para manter o resultado da cirurgia. “O ato de  comer era um suporte emocional para esses pacientes e, uma vez que esse prazer é tirado, ela pode direcionar esse suporte para outros transtornos”, aponta Cristiane para o perigo da depressão, ansiedade e novos vícios se instalarem.

Se o paciente tem a expectativa frustrada, além dele deprimir e ficar pior, ainda precisa tratar a causa de seus problemas. O comportamento mais comum nesse cenário em que o paciente não consegue seguir as recomendações do pós-operatório e tem o reganho de peso é que ele dificilmente vai continuar com os procedimentos. “Operei, não resolveu”. O paciente para de se cuidar, para de procurar acompanhamento e  consultoria nutricional,  psicólogo e médicos. “É fundamental que o paciente saiba dos objetivos e o que a cirurgia pode fazer por ele. Eles não admitem que procuram a cirurgia por questões emocionais, a questão emocional é sempre secundária, mas no processo de avaliação sempre descobrimos se ele tem expectativas secundárias além das principais, que são a saúde e de sair do risco”, explica Cristiane.

Em que a bariátrica ajuda?

Os efeitos positivos da cirurgia bariátrica incluem a melhora nas condições de saúde para os portadores de diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares e problemas osteoarticulares. Além disso, “aspectos psicossociais como, por exemplo, a melhora da autoestima e experiências de re-inserção social, têm um forte impacto como motivação para a decisão pela cirurgia”, informa a Unicamp.

Um estudo publicado na Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões analisou 32 mulheres submetidos à cirurgia bariátrica. Cerca de “15 a 30% dos pacientes que se candidatam à cirurgia bariátrica apresentam sintomas clinicamente significantes de depressão, e a maioria dos centros de cirurgia bariátrica considera sua presença uma contraindicação relativa à operação. Foi demonstrado que estes pacientes possuem risco mais elevado de desenvolver sintomas de ansiedade e depressão do que a população geral e que a cirurgia bariátrica pode levar à redução significante de tais sintomas. Os pacientes à procura da operação possuíam características de depressão grave. Além disso, após a operação, estes pacientes apresentaram melhora no escore de depressão, o que vai de encontro com os achados da literatura sobre este parâmetro.”

A ajuda psicológica na cirurgia bariátrica é imprescindível, tanto antes quanto depois da cirurgia, pois pode implicar em todos os problemas acima citados. Além disso, o paciente pode sentir dificuldade em enxergar a sua nova realidade, afinal, indivíduos com obesidade sempre tiveram atrelados a si diversos estigmas e se livrar deles de um dia para o outro, não é uma tarefa fácil. Para que problemas futuros não sejam desenvolvidos ou que a obesidade não retorne, é preciso o auxílio psicológico para lidar com todas essas questões.

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