Racismo: uma construção histórica impiedosa

racismo

O racismo é entendido como uma construção ideológica que começa a se esboçar a partir do século XVI com a sistematização de ideias e valores construídos pela civilização europeia. Esse movimento ocorre quando esses entraram em contato com a diversidade humana nos diferentes continentes e se consolida com as ideias científicas em torno do conceito de raças no século XIX.

Apesar do conceito datado ainda percebemos o seu preceito na sociedade. E ele não ocorre de maneira leviana. São diversas ocasiões em que não veem o aspecto humano, mas utilizam o preconceito.

“Todo ser humano tem a capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, religião, idioma, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição”.

O segundo artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, já evidenciava a necessidade da equidade. Mesmo assim, as situações vexatórias continuam acontecendo. Portanto, iremos discutir o racismo sob uma ótica histórica.

Racismo: significado e definições

O ato de atribuir e perpetuar as desigualdades sociais, psíquicas, culturais e políticas à “raça” significa legitimar as diferenças sociais. Isso ocorre a partir da ideia falaciosa de diferenças biológicas, manifestada nos fenótipos e na aparência dos indivíduos de diferentes grupos sociais.

A discriminação social, então, é baseada no conceito de que existem raças humanas, além de que umas são superiores às outras. Analisar as pessoas como base nas diferentes características físicas é uma atitude depreciativa e discriminatória não baseada em critérios científicos.

O que é racismo?

O racismo pode ser entendido como qualquer fenômeno que justifique as diferenças, preferências, privilégios, dominação, hierarquias e desigualdades materiais e simbólicas entre seres humanos, baseados na ideia de raça.

Para Michael Foucault e Hanna Arendt, racismo é a forma de delimitação de novas técnicas de poder, pois o racismo moderno não está ligado a mentalidades, ideologias ou mentiras do poder. Dessa forma, está ligado à tecnologia do poder, já que é uma forma do biopoder exercido. Nesse sentido, possui conexão com o funcionamento de um Estado que é obrigado a utilizar a raça – no tocante de sua eliminação e purificação – para exercer o seu poder soberano.

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Dessa forma, racismo, enquanto conceito, traz a ideia de um estudo de raças como forma classificatória. Por outro lado, de um ponto de vista ideológico, ele traz a ideia de uma doutrina que induz os atos e ações preconceituosas e discriminatórias das pessoas.

Dessa forma, nasce e desenvolve o racismo biológico-social, em que há uma raça superior (branco/europeia) detentora de uma superioridade física, moral, intelectual e estética, dispondo um poder traduzido em “verdades” e normas.

Dentro desse contexto, as outras raças são vistas como um perigo para esse patrimônio biológico. E é nesse momento que aparecem os discursos sobre a degeneração da humanidade e a situação fica perigosa.

A problemática do racismo estrutural

Como vimos, o racismo é uma dominação sistemática de um grupo étnico por outro, acompanhada de representações e ideologias que pretendem depreciar o povo subordinado. Ou seja, serve para explicar e justificar a exploração ou a exclusão material do diferente.

Entretanto, é possível perceber a sua normalização em diversos setores da sociedade. Trata-se de um fenômeno conjuntural e patologia social chamada de racismo estrutural. Nesse sentido, funciona como uma violência direta contra qualquer pessoa.

Dessa forma, pode ser entendido como uma forma de racionalidade constituída de ações conscientes e inconscientes, com três dimensões: economia, política e subjetividade, em que existe o constrangimento de indivíduos.

Entretanto, o racismo não é apenas e simplesmente a diferença física ou um fenômeno ideológico. O racismo se define pela rejeição estigmatizada por estereótipos, em que impera a soberania e a superioridade cultural, intelectual e moral.

Construção histórica do racismo

Delimitar precisamente quando o racismo começou a ser praticado é uma tarefa difícil. Entretanto, conseguimos traçar alguns momentos da história em que tal conduta chama atenção.

No século IX, na Arábia, por exemplo, já existia a diferença entre o tratamento de escravos brancos e negros. Nesse sentido, mesmo com as duas raças vivendo num regime de escravidão, as regras para os brancos eram mais amenas do que para os negros.

Além disso, os ensinamentos religiosos da época já traziam a ideia de pureza no sangue, o que também pode ser considerado uma forma de racismo. Inclusive, tal pensamento deu início à perseguição dos judeus. Então, essas atitudes escravistas e preconceituosas permeiam as sociedades com mais afinco desde a colonização árabe.

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Entretanto, outra percepção de racismo vem das interpretações cristãs da Bíblia e também remetem a questão da purificação. Nesse sentido, vários judeus se converteram ao cristianismo para uma possível aceitação social e, assim, se tornaram os “novos cristãos”.

A ideia de pureza do sangue ganha força na Idade Média e se estende até o século XIX, legitimando os discursos que defendiam os conceitos de inferioridade/superioridade entre as raças. Vale trazer, também, que no século XVII, a diversidade humana foi classificada em brancos, negros e amarelos, através das classificações da biologia e da zoologia.

Racismo na modernidade

O racismo no mundo moderno é visto como consequência da expansão europeia, a partir do fim do século XV, e se estendeu para judeus, árabes e ciganos. Vale aqui também mencionar o maior genocídio da História, que foi o Holocausto, perpetrado por racistas assumidos e justificados por uma ideologia explicitamente racial.

Entretanto, é importante tratar sobre o racismo não europeu. Nesse sentido, podemos citar como exemplo a violência dos japoneses contra coreanos e chineses durante a Segunda Guerra Mundial, além de casos nos Estados Unidos.

Inclusive, a tratativa americana é bem peculiar de ser analisada. Isso ocorre, pois houve a socialização com um grande senso de superioridade, para manter os brancos como classe dominante. Então, negros e imigrantes eram tratados de forma diferenciada e perseguidos pelo grupo no poder.

Mesmo assim, é válido trazer que ainda existe um problema de estigmatização com esses grupos. A desigualdade social gerada por um arcaísmo de uma sociedade atrasada ainda vê tais indivíduos como criminosos e vagabundos pela ordem estatal e dominante.

Racismo no Brasil

Por aqui tivemos uma comunidade de indivíduos que chegaram de todas as partes do mundo, principalmente da Europa, para nos colonizar. A formação social brasileira é caracterizada por europeus, indígenas, africanos, asiáticos e povos árabes, que tiveram aqui uma gama de relações e conflitos, seja no campo político, comercial, religioso ou afetivo-social.

As ideias de superioridade racial ficaram mais comuns nas elites brasileiras do final do século XIX até meados do século XX (por volta de 1930). Sendo assim, por influência da Europa, ficava estabelecido que os brancos eram superiores aos negros.

Dessa forma, aos brancos eram atribuídas as capacidades de construir grandes civilizações. Por outro lado, os negros eram vistos como selvagens e bárbaros, incapazes de realizações civilizatórias.

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Inclusive, o branqueamento era o passaporte para transformar o Brasil, possibilitando a vinda de imigrantes europeus, considerados superiores e aptos para o trabalho agrícola e desenvolvimento industrial. E, apesar do intenso fluxo de “sangue europeu”, a população brasileira foi se constituindo por muitos mestiços.

Então, a partir de 1930, o mestiço passou a ser visto como brasileiro graças ao movimento literário, o culturalismo antropológico e as condenações às teorias racistas da Europa. Nessa fase, defender ideias racistas não era politicamente correto.

Sendo assim, as instituições sociais passaram a defender o antirracismo como um valor nacional, contrário ao que acontecia nos EUA e na África do Sul, que mantinham leis rigorosas separando brancos de negros.

Século XX

Após a abolição da escravatura, o Brasil surge como uma “democracia racial”. Os afro-americanos começaram a vir para cá por essa ideia, pois não existia a segregação jurídica, ou seja, os negros eram livres para participarem da vida nacional e a miscigenação era ampla.

No entanto, existia segregação racial, principalmente no Sul do país, pela competição de empregos com os imigrantes italianos e alemães. Em 1950, o que se percebeu foi uma discriminação racial velada. A partir de 1960, então, começaram os movimentos negros.

Nas décadas de 80/90, a opressão racial era aberta, óbvia e visível no mundo, mas no Brasil ela era escondida e mascarada por um discurso nacionalista que proclamava harmonia e igualdade racial. Se dizia nos Estados Unidos que o negro tinha uma metralhadora apontada para sua cabeça. Já no Brasil, essa metralhadora apontava para as costas, onde não se pode vê-la.

Como estão as coisas hoje?

O que temos hoje, no século XXI, é um racismo estrutural, que segrega negros e brancos em classes sociais diferentes, o que dificulta acesso à serviços básicos de saúde, de educação, de segurança e de emprego digno.

O racismo estrutural não é explícito ou um preconceito claro, mas uma discriminação distinta. Dessa forma, o que se percebe é uma discrepância de renda, de empregabilidade e de marginalização, principalmente, da população negra e pobre.

Nesse sentido, isso significa um entrave para que se forme uma sociedade brasileira justa, baseada em pilares democráticos e republicanos de igualdade e de liberdade. Muitas coisas ainda precisam mudar.

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Psicóloga formada em 1982, me especializei em Psicoterapia Breve e Psicologia Hospitalar, tendo feito mestrado em Psicologia da Saúde. Toda minha vida profissional foi fundamentada numa postura ética humana, tendo trabalhado como psicoterapeuta (analítica dinâmica) em meu consultório, psicologia oncológica e psicologia hospitalar (UTI de adultos - politrauma, cardiologia e neurologia), sala de Emergência (atendendo tentativas de suicídio por intoxicação e dependência química) e também atuado como professora de Psicologia Educacional, em escolas estaduais no início de carreira, nas Faculdades Oswaldo Cruz (curso de especialização em Oncologia) e na UNICID (matéria de toxicologia clínica na Faculdade de Medicina e Psicologia Forense na Faculdade de Direito). No hospital fui Chefe da clínica de Psicologia Hospitalar (por três anos) e na clínica de oncologia coordenei a equipe multiprofissional. Atualmente atendo clinicamente, e desenvolvo um trabalho de mentoria. Agende uma consulta comigo aqui: https://www.telavita.com.br/app/psicologia-online/sonia-maria-campos-pittigliani

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